terça-feira, 2 de novembro de 2010

Mais de 500 túmulos do Cemitério do Bonfim passam por inventário em MG

Trabalhos foram realizados durante mais de dois anos.
Peças que ‘contam’ a história de BH e do Brasil foram catalogadas.


Quinhentos e quarenta túmulos do Cemitério do Bonfim, no bairro de mesmo nome, na região noroeste de Belo Horizonte, passaram por um inventário feito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). O levantamento foi realizado de março de 2008 a outubro de 2010 pela Gerência de Identificação do Iepha-MG e catalogou características recorrentes na maioria dos jazigos. “São peças que representam algum tipo de memória histórica da capital mineira. É a proximidade entre as pessoas que construíram a cidade e o cemitério”, comparou o historiador e coordenador das atividades, Luis Gustavo Molinari Mundim. De acordo com ele, a sede do necrotério dentro do cemitério foi tombada em 1977, ornado com símbolos cristão datados de 1902 e piras que significam simbolicamente “a iluminação do caminho”. O imóvel está desativado há aproximadamente dez anos, possui infiltração na cúpula e aguarda por uma restauração que foi iniciada e não foi concluída.


Mundim disse que, nos trabalhos, foram analisados o estado de conservação e os fatores de risco que os objetos sofrem por estarem em local aberto sob a ação do tempo e até de vândalos. Um relatório final com 700 fichas - com fotos, histórico, designação, localização, descrição das obras de arte e dados dos artistas e das marmorarias - está sendo finalizado e até a segunda quinzena deste mês deve ser cadastrado em um banco de dados eletrônico - o Inventário de Proteção ao Acervo Cultural de Minas Gerais (Ipac-MG), e ficará disponível para consulta no www.ipac.iepha.mg.gov.br. Para Mundim, “a necessidade de se conhecer o que há no Bonfim gera uma preocupação em proteger o patrimônio, e possibilita ações como o estímulo a outras pesquisas”.

Mundim contou, também, que o inventário abre as portas do conhecimento e, a partir daí, surgem outras perspectivas. “Existe a possibilidade do lançamento de um livro com as informações levantadas no inventário”, contou. Uma das curiosidades apontadas pelo estudo é que até nos anos 40, os túmulos eram predominantemente construídos com pedra-sabão e mármore. Depois desse período, o bronze passou a ser a matéria-prima mais usada na confecção das peças que, normalmente, eram feitas sob encomenda.

O túmulo do ex-governador de Minas Gerais Raul Soares, que morreu em 1924, reflete essa situação. Concebido pelo artista italiano Ettore Ximenes, o jazido foi construído em granito bruto e os anjos simbolizam a ajuda no momento da passagem da vida terrena para a espiritual.

Outro aspecto ressaltado por Mundim é com relação aos túmulos que possuem colunas quebradas propositadamente. “Isso significa que no local está enterrada a pessoa que sustentava, o arrimo da família”, explicou o historiador. Daí o porquê de representatividade de parte da escultura quebrada.

O túmulo do ex-governador de Minas Gerais Olegário Maciel também é carregado de simbologia. Feito em granito bruto, possui três imagens que representam os pilares da sustentação da sociedade: Justiça, Trabalho e Lei.
Mulher pranteadora é fugura recorrente dentro do cemitério.Mulher pranteadora é figura recorrente dentro do Cemitério do Bonfim.

Mundim disse que imagens de mulheres pranteadoras – sempre com a cabeça baixa e segurando uma guirlanda – são comuns dentro do cemitério. “Elas representam o pranto e a guirlanda significa a finalização de um ciclo”. Outra figura representativa é a de Jesus Cristo. “É ele quem conduz os mortos para o céu”, explicou Mundim.

Iconografia

Alguns objetos e figuras aparecem com mais frequência nos túmulos, jazigos e mausoléus do Cemitério do Bonfim. De acordo com Mundim, as cruzes, piras e anjos são recorrentes.

Ainda há imagens das mulheres pranteadoras e de santos como Santa Terezinha, Nossa Senhora e Santo Antônio, além do Sagrado Coração de Jesus – esculpidos em busto e de corpo inteiro.

Separação

No princípio, os enterros no Cemitério do Bonfim, de acordo com o historiador, eram feitos separadamente. Ou seja, as pessoas eram sepultadas em quadras pré-determinadas. Áreas divididas para crianças, mulheres e políticos, por exemplo.
O primeiro corpo enterrado no Cemitério do Bonfim foi da jovem europeia Berthe Adele Théreze de Jaegher, que morreu aos 20 anos, em fevereiro de 1897. Atualmente, no local, há apenas uma placa identificadora encostada em um carvalho secular.

Ainda segundo Mundim, o Cemitério do Bonfim representa, automaticamente, uma função social, por conta dos sepultamentos. “Até os anos 40, só havia ele em BH”, contou. Famílias influentes e personalidades estão enterradas no Bonfim como o ex-vice-presidente Silviano Brandão, o ex-presidente da República Prudente de Morais e o ex-prefeito de Belo Horizonte Otacílio Negrão de Lima.

Relação com a cidade

O estilo monumental dos primeiros túmulos - característica, em Belo Horizonte, exclusiva do Bonfim – demandou trabalhos complexos encomendados no Rio de Janeiro, São Paulo e em dezenas de artistas e ateliês locais (como os irmãos Natali, os Lunardi e a Marmoraria São José), todos paralelamente envolvidos na construção de prédios públicos e residências ilustres na recém-inaugurada capital.
O historiador Luis Gustavo Molinari Mundim ao lado da sua peça favorita.O historiador Luis Gustavo Molinari Mundim,
responsável pelo inventário no Cemitério do Bonfim,
ao lado da sua peça favorita.

Entre tantos escultores e marmoristas cujas obras se destacam nos túmulos do Bonfim – e também em pontos diversos de BH – exemplo é João Amadeu Mucchiut. Autor de dezenas de esculturas de destaque no cemitério (incluindo as de seu próprio mausoléu), o austríaco assina ainda a fachada da Igreja de Lourdes e da Academia Mineira de Letras, assim como o altar-mor e a lateral da Igreja São José. Outros artistas a quem se atribui a maior parte do acervo são os irmãos Natali, João Scuotto, Carlo Bianchi, Gino Ceroni, Nicola Dantolli, Antônio Folini, Lunardi, Alfeu Martini e José Scarlatelli.

Alex Araújo - Portal G1

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