Brasília – O veto à distribuição de livro de Monteiro Lobato em escolas públicas pode ser considerado censura. Essa é a opinião da especialista em literaturas africanas de língua portuguesa da Universidade Federal Fluminense (UFF), Laura Padilha, sobre orientação do Conselho Nacional de Educação (CNE) publicada semana passada no Diário Oficial da União.
O parecer do CNE sugere que o livro Caçadas de Pedrinho, distribuído pelo Ministério da Educação (MEC) a escolas de ensino fundamental, não seja mais adotado pela rede pública. A alegação é que a obra tem conteúdo racista. Segundo o parecer, a personagem Tia Nastácia é chamada de “negra” e, em alguns trechos, o autor compara o homem a animais como o urubu e o macaco.
Um dos trechos usados como justificativa para o veto à obra traz a seguinte frase: “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão”. Laura concorda que a frase é “forte”, mas questiona a classificação do livro, publicado em 1933, como racista. “Não vejo que Monteiro Lobato pinte Tia Nastácia com cores racistas. Ele tinha enorme carinho pela personagem. O livro tem que ser contextualizado em seu tempo histórico”, disse, ressaltando que não leu a obra recentemente.
A pesquisadora afirmou também que o mais provável é que Monteiro Lobato não quisesse discriminar a personagem, apenas usava expressões da época para brincar com o leitor. Seria o caso de outro exemplo do CNE: “Não é à toa que os macacos se parecem tanto com os homens. Só dizem bobagens”. “Ele [Monteiro Lobato] realmente estava sendo preconceituoso? Contra os homens ou contra os macacos?”, pergunta Laura.
A militante do Movimento Negro do Distrito Federal, Marlene Lucas, discorda da pesquisadora. Ela é a favor da retirada de Caçadas de Pedrinho das escolas. “Tudo aquilo que agride a identidade das pessoas deve ser banido, seja de qual período for, independentemente da importância histórica e artística”, defende.
Além de Monteiro Lobato, há várias outros exemplos de racismo “velado, sutil e subjetivo” na literatura, segundo Marlene. Por isso, o movimento negro seria a favor da retirada destes exemplares não só das escolas, mas do mercado. “Uma adaptação tiraria o cunho original da obra. Então, essas obras poderiam vir com um aviso. Mas o ideal é que não sejam mais publicadas”, disse.
Já a especialista Laura Padilha sugere que, em vez de tirar o livro de Monteiro Lobato da sala de aula, que o livro seja usado como incentivo às discussões sobre preconceito. “Impedir que um aluno brasileiro, de uma comunidade carente, tenha acesso a uma obra de Monteiro Lobato é errado. Em vez disso, os professores poderiam usar certas frases e expressões para discutir o racismo no Brasil”.
Agência Brasil
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