A expansão de grandes empreendimentos imobiliários, sem a elaboração de cuidadosos estudos de impacto ambiental e sem o diálogo com a comunidade local e científica, pode levar a uma descaracterização de áreas ambientais no estado. Em audiência pública da Comissão de Trabalho, Legislação e Seguridade Social da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, realizada nesta sexta-feira (14), pesquisadores e lideranças se reuniram com o objetivo de alertar para o risco de impactos socioambientais na comunidade de Zacarias, localizada na Área de Preservação Ambiental da Restinga de Maricá. A região é alvo de um projeto imobiliário capitaneado por uma empresa espanhola e, segundo denúncias, pode ameaçar a prática da pesca artesanal. "Essa intervenção não representa só uma agressão ao meio ambiente. É algo muito maior”, afirmou o presidente da comissão, deputado Paulo Ramos (PSol). O parlamentar identificou a necessidade de interagir com responsáveis pelo empreendimento e marcar uma audiência com o procurador-geral de Justiça, Marfan Martins Vieira, para analisar um relatório sobre o caso elaborado pelo Grupo de Apoio Técnico Especializado do Ministério Público do Rio.
“Se não for esse empreendimento, outro poderá ser concluído. Solicitamos uma intervenção em âmbito legislativo para proteger o local”, alertou a professora da UFF Desireé Freire, integrante do Movimento Pró-Restinga, destacando que se trata de um patrimônio da humanidade, com rara vegetação e espécies únicas, uma das áreas de referência para pesquisas no Rio há 30 anos. “Essa reserva não pode ser disponibilizada para uso urbano verticalizado, com a construção de prédios, condomínios, shopping e até campo de golfe. O território pesqueiro não pode ser liberado para uso urbano, ainda mais com deliberações feitas sem convocar diálogo com as comunidades”, ressaltou.
De acordo com Desireé, leis existentes voltadas para a proteção de áreas como essa e as comunidades tradicionais foram ignoradas no zoneamento da APA, em vigor desde 2007. Somente um sexto do território passou a ser destinado às atividades dos moradores. “A preservação é fundamental para a manutenção de prática artesanal de cerca de dez comunidades pesqueiras”, disse.
Convocando todos os pescadores e frequentadores da Comunidade de Zacarias a cantar uma cantiga tradicional, o antropólogo Marcos Mello, autor de um livro e estudo sobre a genealogia de famílias que habitam o local há sete gerações, definiu as decisões de autoridades favoráveis ao licenciamento do projeto imobiliário como “visões de sobrevôo, em que se perde a escala da humanidade”, se referindo aos trabalhadores da região como “irredutíveis”, por suas lutas. Um deles, o pescador Vilson Correa, da Associação Comunitária de Cultura e Lazer dos Pescadores de Zacarias, falou sobre a batalha para proteger o local, do qual faz parte há pelo menos 40 anos: “A pesca não está fácil. Não vejo apoio ao nosso trabalho. A ameaça de condomínios querendo se instalar na Lagoa não é algo novo”, disse.
A também integrante do Movimento Pró-Restinga Flávia Valença criticou pontos na atuação de órgãos como o Instituto Estadual do Ambiente, apontando que estudos de impacto ambiental não dimensionaram o efeito em ambientes de sustento para as pessoas da localidade, errando em vários pontos. Flávia sugeriu a criação de um observatório do Inea. “O órgão deve ser subserviente ao povo”, pontuou. Em resposta, o diretor de Biodiversidade e Áreas Protegidas do Inea, Guido Guelli, repudiou críticas ao corpo técnico. “Os sistemas de licenciamento mudou muito. Hoje temos a oportunidade de adiar empreendimentos como esse e de participar de audiências. Na questão técnica, temos que discutir o que não querem, quais são os interesses envolvidos”, afirmou.
Comunicação Social da Alerj
Edição: Camilo Borges
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