Nove mil por minuto
Esse é o valor do documentário realizado para enaltecer o senador José Sarney, presidente do Senado. O filme "José Sarney, um nome na história", realizado pela produtora FBL, que pertenceu ao falecido jornalista Fernando Barbosa Lima, faz parte da série "Grandes Brasileiros", que a empresa apresenta em seu portfólio. O filme custou 650 mil reais e foi financiado por empresas do governo com base na Lei Rouanet de incentivo à cultura, o que até aqui não tem nada demais. O que começa a chamar a atenção nessa história, primeiro, é o fato de apresentar Sarney como político "fundamental na luta pela redemocratização". Ora, todo mundo sabe do espírito de corpo que o senador conserva e seu incomparável censo de oportunismo. A diretora da empresa produtora, Rozane Braga, alega como justificativa que o filme vem depois do de Tancredo Neves (é bom lembrar que Sarney vislumbrou cedo a derrota de Paulo Maluf para Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, abandonou a Arena e ficou como vice de Tancredo, coisa que os militares não perdoam até hoje, se sentiram traídos).
Sarney nunca se preocupou com a democratização, se sentia confortável ao lado da direita, por onde conseguiu crescer e muito. Obstinado na luta pela redemocratização, achou que o Maranhão já não lhe era território suficiente e foi conquistar o Amapá, por onde saiu senador depois de lhe tirarem a vaga no Maranhão. É senador pelo Amapá até hoje, apesar de morar com toda a sua família no Maranhão e lá manter seus negócios. Vai ser obstinado assim...
Voltando a história do filme. Sarney foi quem nomeou, dentro da sua cota de bancada de sustentação do atual governo, o presidente da Eletrobrás, Antônio Muniz Lopes. E não é que por essas coincidências da vida a Eletrobrás é uma das patrocinadoras do filme de Sarney? Não quer dizer que o senador tenha facilitado a Eletrobrás entrar no negócio, não, de jeito nenhum. O fato curioso é que o falecido Fernando Barbosa Lima foi quem dirigiu para a TV Senado documentário idêntico sobre o próprio Sarney, sem ônus para a Casa. É de estranhar, portanto, que a mesma FBL apareça agora produzindo essa "obra" novamente.
A Eletrobrás também aparece doando 250 mil para o Instituto Mirante, que é uma entidade sem fins lucrativos, criada em 2004 pelo empresário Fernando Sarney, filho do senador. E como o Maranhão é um estado muito pequeno, não houve espaço para fazer uma sede para o Instituto, tiveram então que acomodá-lo no mesmo endereço do Sistema Mirante, grupo de comunicação que inclui uma afiliada da Rede Globo, jornais e rádio. O presidente do Sistema Mirante também é Fernando Sarney.
Os 250 mil da Eletrobrás foram divididos em duas partes: 150 para festividades e 100 mil para os festejos de carnaval no Maranhão. A Polícia Federal chegou a desconfiar que Fernando usava o nome do pai para conseguir contratos para empresa privadas na área de energia. Será? O Instituto Mirante tem como tesoureiro João Odilon Soares, filho é sócio de Teresa Murad, mulher de Fernando Sarney.
Voltando ao filme, foram feitas 1.250 cópias da "obra" , que foram distribuídas para congressistas, jornalistas, escolas e bibliotecas. Rozane Braga fechou com chave de ouro seu comentário sobre o assunto: "Nosso comprometimento é com essa coisa de melhorar o nível cultural do nosso povo". Bacana! Bom, com dinheiro público é mole. Quer dizer: 650 mil saíram da Eletrobrás para fazer um documentário que já havia sido feito de graça. É isso aí.
Até quando, gente, até quando?
Leonardo Andrade Aguiar - Folha de Niterói
(Semana de 15 a 21 de maio de 2010)
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