Um passado muito
presente na vida de duas ex-presas políticas foi testemunhado nesta
terça (28) pelas pessoas que lotaram o plenário da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Os depoimentos da cineasta
Lúcia Murat e da historiadora Dulce Pandolfi fizeram parte do
primeiro evento da série Testemunhos da Verdade, promovido pela
Comissão Estadual da Verdade do Rio. A Comissão, presidida pelo
advogado Wadih Damous, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, foi criada por lei, de autoria dos deputados Gilberto Palmares (PT), Graça Matos (PMDB), Luiz Paulo (PSDB) e Paulo Ramos (PDT).
Palmares reforçou a
importância de resgatar a história do Regime Militar no Brasil, que
aconteceu entre 1964 e 1985. “Um país que não recupera a sua
história corre o risco de repeti-la. Essa comissão vai dar uma
grande contribuição para que não voltemos a conviver com o que
aconteceu durante a ditadura militar, para que as novas gerações
saibam o que aconteceu durante esse período no Brasil”, ressaltou
o petista. Marcados por grande emoção, os depoimentos de Dulce e
Lúcia deixaram claro que socos, chutes, pontapés e choques eram
realidade nas dependências do Doi-Codi, no então quartel da Rua
Barão de Mesquita, na Tijuca, onde as duas
ficaram presas e foram torturadas.
Dulce Pandolfi foi
presa em 1970. “Durante os mais de três meses que fiquei no
Doi-Codi, fui submetida, em diversos momentos, a diversos tipos de
tortura. Umas mais simples, como socos e pontapés, e outras mais
grotescas, como ter um jacaré andando sobre o meu corpo nu. Recebi
muito choque elétrico e fiquei muito tempo pendurada no chamado 'pau
de arara', os pés e os pulsos amarrados em uma barra de ferro e a
barra de ferro colocada no alto, numa espécie de cavalete”,
relatou Dulce. Lúcia Murat também sofreu diferentes tipos de
torturas e disse que aceitou dar esse depoimento porque acredita que
essa é a única maneira de fortalecer a democracia. “Não faço
isso por desejo de vingança, nem por masoquismo. Acho fundamental
para a história do País, acho fundamental para a minha filha e a
minha neta que esses fatos sejam revelados e apurados. Ainda tem
muita coisa que a gente não sabe exatamente o que aconteceu, tem
desaparecidos que foram torturados e mortos em lugares que a gente
não conhece, e isso tem que ser revelado”, destacou Murat, que
ficou presa entre os anos de 1971 e 1974. “Fui presa e torturada
pelos métodos utilizados na época: espancamentos generalizados, pau
de arara, choques elétricos na vagina, na língua e pelo corpo;
utilização de baratas vivas pelo corpo”, contou a cineasta, que
tem até hoje um problema de sensibilidade na perna decorrente da
tortura.
Presidente da comissão,
Wadih Damous destacou a importância desses depoimentos e disse que o
País deve muito a pessoas como Dulce e Lúcia. “É muito
importante mostrar para as gerações brasileiras os 21 anos de
ditadura e como a tortura virou uma política de estado nesse
período”, salientou Damous. Os nomes do major da Polícia Militar
Riscala Corbage, conhecido como Doutor Nagib, do major João Câmara
Gomes Carneiro, conhecido como Magafa, do médico Amílcar Lobo, do
Cabo Gil, do agente da Polícia Federal Luiz Timóteo de Lima,
conhecido como Padre, do coronel da reserva Paulo Malhães, do major
Cinelli, do major Demiurgo e do tenente Armando Avolio Filho,
conhecido como Apolo, foram citados pelas testemunhas como
participantes dos processos de tortura vividos por elas.
Com a meta de colaborar
com os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, a delegação
estadual atua no esclarecimento de fatos e circunstâncias de casos
de violação de direitos humanos no estado do Rio, identificação e
divulgação da estrutura e locais dos abusos, recomendação de
ações, reconstrução de histórias, entre outros. Também integram
a Comissão Estadual da Verdade do Rio o jornalista Álvaro Machado
Caldas; a presidente do Comitê Brasileiro pela Anistia, Eny Raimundo
Moreira; o representante da Associação Nacional dos Anistiados
Políticos, Aposentados e Pensionistas Geraldo Cândido da
Silva; o ex deputado federal Marcelo Cerqueira e a coordenadora do
Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização
dos Estados Americanos, Nadine Monteiro Borges.
Edição: Camilo Borges
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